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Como tudo em medicina, o assunto diagnóstico por imagem, por isso, o que vamos contar aqui pode ser considerado o mínimo necessário para vocês começarem a analisar um exame. Vamos falar da história e da física do Rx (na verdade só vamos explicar como se forma uma imagem radiográfica), como solicitar exames, da anatomia radiográfica do tórax e dos padrões vistos nas radiografias de tórax e abdome, para que vocês não incomodem mais o radiologista às 3:00h da manhã pedindo tomografia pra um paciente com uma insuficiência cardíaca congestiva que estava mais do que evidente no Rx das 20:00h.
Parte 1: Física do Rx
A palavra física aqui talvez seja um pouco forte. Vamos conversar sobre como e porque se forma a imagem radiográfica.
Na radiografia, falando de um modo bem simples, um feixe de raios X atravessa uma determinada região anatômica do paciente e se choca contra um filme radiográfico colocado dentro de uma mesa de exame.
A absorção dessa radiação pelo corpo humano vai acontecer de maneira heterogênea, com órgãos como o pulmão absorvendo muito pouca radiação e os ossos absorvendo muito mais. O filme é então revelado através de um processo químico e a imagem formada vai ser uma espécie de mapa anatômico do corpo determinado pelas diferentes quantidades de radiação absorvidas.
Quanto mais absorção de radiação por uma estrutura, mais branca (densa, como se fala em radiologia) vai ser a imagem, porque pouco raio atingiu o filme radiográfico.
Em contrapartida, quanto menos raio for absorvido por uma estrutura, mais escura (radiotransparente que é o termo técnico correto), vai ser a imagem, já que quase todo o raio atingiu o filme.
Na radiografia, podemos ver, entre outras estruturas, os ossos densos (brancos), com alta absorção do raio e baixa quantidades de raios atingindo o filme radiográfico, bem como o pulmão que não absorve quase nenhuma radiação e aparece radiotransparente (preto), porque praticamente todo o raio atingiu o filme.
Agora que sabemos que a imagem é formada pelas diferentes quantidades de radiação que atingem o filme radiográfico, temos que saber quais as densidades existem. Sim, porque conforme a quantidade de raio que incide sobre o filme, densidades diferentes se formam e elas receberam nomes:
- Cálcio: Os raios foram muito absorvidos e incidiram em menor quantidade no filme radiográfico, formando uma imagem densa (branca forte) na radiografia. São as imagens dos ossos e eventuais calcificações patológicas ou não que aparecem no nosso corpo.
- Gás: Todo o raio atravessou o tecido e incidiu sobre o filme radiográfico, formando uma imagem radiotransparente (preta forte) na radiografia. Presente nos pulmões, vias aéreas, gás intestinal e gástrico, abscessos pulmonares….
- Partes moles: Parte do raio atravessou o órgão e parte foi absorvida, formando uma imagem densa intermediária, que está presente na musculatura, coração, vísceras maciças, vasos, líquidos corporais fisiológicos ou patológicos, como no derrame pleural.
- Gordura: Grande parte do raio atravessou a estrutura, mas um parte foi absorvida. Aparece radiotransparente mas levemente mais densa do que o pulmão (preto claro) e é uma densidade não tão fácil de identificar, já que costuma estar presente no subcutâneo ou entre ventres musculares, frequentemente superpostas a outras estruturas, sendo mascaradas e de difícil identificação
A tomografia computadorizada é um exame que utiliza o raio x para formar imagens. Porém, diferentemente da radiografia, na qual o raio incide sobre um filma, na TC o raio vai ser captado por sensores em um arco que envolve o paciente, sendo que neste arco fica o tubo de raio x, que gira e desta forma acaba gerando uma imagem volumétrica (ao contrário da imagem bidimensional da radiografia), resultando em uma imagem anatômica de alta resolução.
A ultrassonografia, utiliza o ultrassom, espécie de som em uma frequência acima da que nossos ouvidos conseguem ouvir. Mas o que acontece com este som? Ele é refletido por um eco e as ondas deste eco são transformadas em imagens. É o mesmo mecanismo que morcegos e golfinhos usam para orientar no ambiente em que estão (ecolocalização). Também é o mesmo mecanismo dos radares e sonares.
Por último, a Ressonância Magnética. Essa é muito complicada. Podemos dizer que é baseada em um campo magnético (imã, para nós leigos) muito forte. O paciente é colocado dentro deste campo magnético e todos os seus prótons ficam orientados com mesma orientação e sentido. A seguir um pulso (estímulo) de radiofrequência é disparado e estes prótons sofrem alterações, voltando em seguida para a posição inicial. Enquanto estes prótons retornam para a situação inicial, medições são feitas e transformadas em imagens por equações extremamente complexas. O modo como estes prótons são estimulados e o tempo em que as medições serão feitas é que vão caracterizar o tipo de sequência usado e se a imagem vai ser ponderada em T1 (na qual o líquido não brilha e fica escuro na imagem) ou se vai ser ponderada em T2 (na qual o líquido e a doença brilham, aparecendo brancos na imagem). A propósito, muita gente ainda se refere à ressonância magnética como ressonância nuclear magnética. O porquê de chamar assim é que caso vocês se lembrem, os prótons estão situados no núcleo das células, daí o nuclear. Mas não precisa explicar muito pra entender a confusão que gerava com energia nuclear e radiação né? Então o termo nuclear foi abandonado.
Parte 2: Anatomia radiográfica e como avaliar uma radiografia
Radiologia é uma especialidade que analisa imagens do corpo humano e para isso é fundamental conhecermos a anatomia.
O exame radiográfico mais realizado é a radiografia de tórax, por isso vamos focar mais na anatomia das estruturas torácicas na radiografia simples.
Vamos estudar a anatomia simulando a análise de uma radiografia do tórax a partir das estruturas externas em direção às estruturas mais profundas, que é a rotina de avaliação que utilizamos na prática diária. Existem outras rotinas, não existe uma mais adequada do que a outra. O importante é seguir a rotina e não fugir dela. Ah, tem um tumor gigante no pulmão esquerdo. Ok, deixa ele lá quietinho, garanto que ele não vai desaparecer, mas uma metástase óssea pequena pode passar despercebida se não seguirmos a rotina.
Vamos iniciar pela parede torácica, que basicamente é composta de pele, subcutâneo e musculatura, estruturas com densidade de partes moles, exceto o subcutâneo, com densidade adiposa, mas tão fina que não conseguimos perceber. Vamos procurar algum abaulamento ou retração, assimetrias de mamas, sejam femininas ou mesmo masculinas, precisamos observar também as regiões axilares, procurando lesões expansivas, já que existem muitos linfonodos nestas regiões.
Também é interessante notar que o diafragma direito é ligeiramente mais alto do que o oposto, não mais do que o equivalente à altura de um corpo vertebral. Elevações mais acentuadas dos diafragmas devem chamar nossa atenção.
Ainda externamente ao tórax é muito importante observarmos as estruturas do abdome superior, que são basicamente o fígado e baço (que apresentam densidade homogênea de partes moles) e o estômago que é representado pela bolha gástrica, geralmente preenchida por gás.
Depois de avaliarmos as partes moles, passamos para as estruturas ósseas, identificando as clavículas, escápulas, úmeros, esterno e arcos costais, que são os mais chatos. Não tem outra opção de avaliar as costelas que não seja passar o dedo (ou cursor, nas imagens digitais) por cima de cada uma, buscando fraturas ou lesões focais. Chato, mas importante.
Na radiografia em perfil, temos estruturas ósseas muito importantes, o esterno anteriormente e a coluna vertebral posteriormente. Existe uma regra na radiografia em perfil, que diz que a vértebra de baixo é sempre mais radiotransparente (mais escurinha) do que a vértebra de cima. Caso isso não ocorra, deve haver uma lesão superposta a esta vértebra, seja uma lesão óssea ou pulmonar (pneumonia, nódulo…).

Bom, depois de avaliarmos partes moles e estruturas ósseas, começamos a procurar o que é mais interessante e continuando nossa rotina de fora pra dentro do tórax, passamos para a avaliação pleural.
A pleura não é vista no Rx, é fina demais e praticamente tem duas alterações principais: derrame pleural e pneumotórax. Lesões expansivas pleurais existem, calcificações sequelares ou não também ocorrem, mas são bem menos frequentes e abordaremos em outros tópicos.
Para avaliarmos a pleura, precisamos acompanhar os contornos externos dos pulmões, procurando a linha pleural. Nos casos de pneumotórax o espaço entre esta linha pleural e a parede vai ser preenchido por gás e nos casos de derrame pleural, será preenchido por líquido. A propósito, o derrame pleural é evidente na radiografia em PA de tórax quando o volume de líquido é de aproximadamente 300 ml, ou uma latinha de refrigerante. É muita coisa. Na radiografia em perfil, ele pode ser identificado a partir de 100 ml, metade daqueles copinhos brancos de bebedouros.
Um dado muito importante é observar bem os seios costofrênicos, onde a parede lateral do hemitórax forma um ângulo com a superfície inferior. Este ângulo precisa ser agudo, caso contrário pode haver alguma alteração pleural, como um pequeno derrame ou espessamento sequelar local.
Vamos continuar nossa análise e falar da anatomia do mediastino. Primeiro e mais importante: ele está no centro e a sua posição é o que devemos fazer antes de tudo. Não importa se tem uma massaroca gigante no mediastino, ela não vai fugir, olha se ele está centrado primeiro. Depois, vamos identificar os contornos mediastinais, que são como arcos, já que são abaulados. À direita, embaixo, o contorno é dado pelo átrio direito e em cima pela veia cava superior e/ou aorta ascendente. Detalhe, muitas vezes o arco superior á direita não é bem identificado, mas devemos saber que naquela topografia, acima do átrio direito, vai estar a veia cava superior, meio que superposta com a aorta ascendente.
À esquerda, superiormente temos um pequeno arco, que corresponde ao botão aórtico, a estrutura mais posterior da aorta. O arco mais inferior é determinado pelo ventrículo esquerdo. Entre os dois existe o arco médio, que corresponde ao contorno do tronco da artéria pulmonar. Este contorno, em pacientes mais jovens, pode ser abaulado, porém com o tempo (perto dos 30 anos), ele passa a ser mais reto ou mesmo escavado. Nestes pacientes se o arco médio está abaulado, devemos ficar atentos, eventualmente pode representar aumento do calibre da artéria pulmonar ou lesões expansivas locais.
Terminada a anatomia em PA, vamos identificar as estruturas na radiografia em perfil.
Anteriormente, tocando o esterno, vamos ter o contorno do ventrículo direito e é importante deixar claro que o VD só deve tocar o esterno no seu 1/3 inferior. Se este contato chegar próximo do 1/3 médio do esterno, pode existir aumento do ventrículo direito. Posteriormente, na região mais superior do coração o que “vemos” é o átrio esquerdo enquanto que na parte mais inferior temos o contorno do ventrículo esquerdo.
Existe uma linha que se dirige ao coração que corresponde à veia cava inferior. A distância de onde esta linha toca o coração e o bordo posterior (dado pelo VE), deve ser em torno de 1,0 a 1,5 cm. Acima disso, teremos um aumento do ventrículo esquerdo.
Fora o coração, temos estruturas vasculares superiormente no mediastino que podemos identificar em perfil. A aorta, que é de mais fácil identificação, tem o segmento ascendente situado anteriormente (na radiografia em PA ela está à direita, lembram?) o arco aórtico está situado superiormente e é muito bem identificado tanto em PA como em perfil e o segmento descendente que tem seu trajeto posterior em perfil e à esquerda em PA.
Outro vaso importante que identificamos em perfil, é o tronco arterial pulmonar, quase que paralelo à aorta e que forma com ela um espaço, chamado de janela aortopulmonar, que é sede de uma cadeia ganglionar e por onde passam estruturas importantes, como o nervo laringeo recorrente, ramo do nervo vago, Xº par craniano.
Bom falamos de vasos, vamos conversar sobre os hilos pulmonares. Os hilos pulmonares são formados pelas artérias pulmonares direita e esquerda e é importante ressaltar que o hilo esquerdo é mais alto. Isto ocorre porque a artéria pulmonar sobe um pouquinho e passa por cima, do brônquio principal esquerdo, já que ele tem um trajeto mais horizontal. Do outro lado, a artéria pulmonar direita passa lateralmente ao brônquio intermediário e portanto fica um pouco mais abaixo do que a artéria pulmonar contralateral. É importante lembrar que os vasos que vemos na radiografia em PA e que se dirigem inferiormente são as continuações das artérias pulmonares, chamadas de artérias interlobares inferiores direita e esquerda.
Também é fundamental saber que os hilos apresentam contornos regulares, lisos e retos, já que são formados por artérias. Se os contornos forem mais abaulados, podemos estar diante de um aneurisma de artéria pulmonar, algo não muito comum, mas que ocorre em algumas condições, temos alguns exemplos no nosso arquivo didático. Caso os contornos forem lobulados, vamos pensar que exista um aumento do hilo por linfonodomegalias.
Quase chegando na anatomia dos pulmões, vamos primeiro falar que os vasos pulmonares que vemos em uma radiografia são na grande maioria veias pulmonares que vão desembocar no átrio esquerdo, como já falamos antes. Também temos que ter em mente que estes vasos são mais proeminentes, mais calibrosos e mais numerosos nos lobos inferiores, por causa da gravidade, já que as radiografioas são realizadas em ortostase e por isso existe um maior enchimento de vasois inferiormente. Se ocorrer uma inversão deste padrão, devemos procurar alterações cardíacas.
E agora os pulmões, finalemente. O mais curioso é que ele tem a anatomia mais monótona e tem a grande vantagem de ser um órgão pareado, com dois pulmões que embora não sejam iguais, são semelhantes o suficiente para podermos compará-los em casos de dúvidas.
Os pulmões vão apresentar densidade de gás e esta densidade é simétrica entre eles, o que facilita quando temos dúvida se existe uma lesão parenquimatosa.
Uma estratégia que funciona é separarmos os pulmões em três (campos superiores, médios e inferiores) e avaliar comparativamente cada lado. Fica mais fácil definir se existe lesão em caso de dúvidas.
Bom, agora que já sabem tudo de anatomia, estão prontos para conhecer os padrões de lesões pulmonares?
Parte 3: Padrões de lesões pulmonares
Bom, aprendemos a anatomia do tórax e sabendo a anatomia normal, fica mais fácil identificar uma alteração.
Agora chegou a hora de identificar os padrões de lesões para podermos restringir nosso diagnóstico diferencial o máximo possível, na tentativa de estabelecer um diagnóstico definitivo, o que nem sempre é possível.
Existem uma série de lesões que podem ser divididas quanto à densidade, se aumentam ou diminuem a densidade do pulmão (entre outras possibilidades: consolidações, lesões reticulares ou nódulos no primeiro caso e cistos, lesões escavadas ou bronquiectasias no segundo caso).
Vamos começar por aquela que é a mais comum que é a consolidação alveolar.
Consolidação alveolar pode ser definida por uma opacidade (imagem com densidade de partes moles) de limites imprecisos (exceto quando toca a pleura), homogênea ou não (caso tenha calcificações ou gás, é heterogêena). Ela correspopnde à substituição do conteúdo gasoso do espaço aéreo por um material, que pode ser exsudato (pneumonias), transudato (edema), sangue (infarto pulmonar, contusões…) ou mesmo células (alguns tumores).
Uma particularidade da consolidação alveolar é que quando tocam estruturas com a mesma densidade (coração, aorta, diafragma…) elas perdem seus limites, assim como a estrutura que estão tocando. É o chamado sinal da silhueta. Este sinal é extremamente importante para localizarmos lesões. Caso o contato seja com estruturas posteriores, algumas lesões são consideradas, caso seja com estruturas anteriores, outras podem ser aventadas.
Bom, a consolidação alveolar é uma lesão que compromete o espaço aéreo, mas existem lesões que não preenchem o espaço aéreo e sim o espaço que o circunda, são as lesões intersticiais, que podem ser reticulares, micronodulares ou reticulomicronodulares.
Primeiro, precisamos entender o que é o interstício.
No pulmão, existe um relação que é praticamente um casamento: a artéria pulmonar e os brônquios. Eles nascem juntos lá no hilo pulmonar e seguem juntos até a superfície pleural dentro dos lóbulos pulmonares, com as arteríolas e bronquíolos juntos.
Por outro lado existem outros dois elementos que participam do processo: as veias e os linfáticos, que correm nos septos interlobulares, com os linfáticos também envolvendo o feixe broncovascular.
Falando em lóbulo pulmonar, sabem o que ele significa? Ele corresponde a um aglomerado de ácinos, representa a unidade funcional do pulmão, mede cerca de 1,0 x 1,0 cm e é composto pelo septo interlobular, onde correm as vênulas e linfáticos, o feixe central, onde estão arteríolas e bronquíolos, bem como por interstício intralobular. Nele estão cerca de 30 ácinos, que seriam as estruturas com função respiratória, os bronquíolos respiratórios, sacos alveolares e alvéolos propriamente ditos. A importância da compreensão desta anatomia, é que o lóbulo pode ser considerado um pulmão de 1,0 cm, e assim o que ocorre dentro dele pode indicar como está o pulmão em casos de doenças parenquimatosas difusas. Por exemplo, algumas doenças se disseminam através das veias (ICC) outras por via linfo-hemática (linfangite carcinomatosa, sarcoidose…), e também existem doenças com disseminação pelas vias aéreas (bronquiolites, tuberculose), e assim por diante.
Bom, vimos o desenho esquemático, vamos agora para as imagens radiológicas para explicar o interstício, o lóbulo pulmonar e os padrões de lesões.